Reparo artroscópico do tendão do subescapular
Introdução
As lesões do subescapular costumam ser encontradas em associação com a ruptura de outros tendões do manguito rotador, sendo sua lesão isolada menos freqüente e, geralmente, de origem traumática(1). Existem alguns relatos sobre os resultados do reparo aberto destas lesões(2-4). Entretanto, estudos atuais vêm mostrando a possibilidade da sutura artroscópica com resultados promissores(5-6). Segundo Bennett, o tratamento artroscópico destas lesões gera expectativas seguras quanto à melhora da dor e restauração da função da articulação do ombro(7).
As lesões do tendão do subescapular podem ser classificadas segundo a profundidade, a extensão e o grau de retração dos tendões. Pela profundidade, podem ser parciais, com comprometimento apenas das fibras articulares, ou totais, atingindo toda a superfície do tendão. A inserção do músculo subescapular possui uma porção tendinosa, correspondente a seu terço superior, e uma porção musculoligamentar-capsular, que são os dois terços inferiores do tendão.
De acordo com a extensão, as lesões podem comprometer o terço superior ou toda a extensão do tendão. Por sua vez, as rupturas completas podem ser sem retração, geralmente com o ligamento coracoumeral com seus feixes lateral e medial intactos, ou com tendão retraído, associados à lesão dos dois feixes do ligamento coracoumeral(8).
Neste estudo, temos como objetivo avaliar os resultados retrospectivos de 12 pacientes submetidos ao reparo artroscópico de lesões completas isoladas do subescapular após seguimento mínimo de um ano.
MÉTODOS
De 11 de abril de 2002 a 24 de setembro de 2004, realizamos o reparo artroscópico de lesões completas do manguito rotador em 95 pacientes (96 ombros) no Instituto de Ortopedia Niso Balsini – Joinville/SC. Destes, 31 (32,29%) pacientes apresentam comprometimento do subescapular, sendo 12 (12,5%) lesões isoladas compondo o grupo de estudo. Estes foram reavaliados após seguimento mínimo de um ano da cirurgia, de acordo com o grau de elevação anterior ativa, escala da UCLA, e lhes foi perguntado se aceitariam novo tratamento (tabela 1).
Dos 12 pacientes submetidos à cirurgia artroscópica, sete eram do sexo masculino e cinco do feminino; a idade variou de 41 a 71 anos, com média de 52,4 anos. Quanto ao lado dominante, 11 eram destros e um canhoto, sendo que, dos 12 pacientes, 10 foram operados no lado direito e dois no esquerdo. Dos tipos de lesões encontradas, sete eram de origem traumática e cinco, de origem degenerativa; em seis casos a lesão encontrava-se no terço superior do tendão e seis apresentavam lesão completa total. Duas das lesões completas totais eram retraídas.
Para a fixação do tendão do subescapular, foram utilizadas de uma a três âncoras com média de 2,08. Em sete casos realizamos a tenotomia da cabeça longa do músculo bíceps braquial (CLMBB); em quatro, a tenotomia com tenodese; e, em um caso, não houve qualquer procedimento neste tendão. Quanto aos procedimentos de descompressão, efetuou-se acromioplastia em cinco casos e coracoplastia em quatro.
O grau de elevação anterior ativa pré-operatória (EAA pré) variou de 20º a 175º, com média de 102,1º, e o índice da UCLA pré-operatório, de 10 a 22 pontos, com média de 15,25. O grupo de pacientes com lesão do terço superior do subescapular (seis casos) apresentou grau EAA pré média de 115º (60º-175º) e índice da UCLA com 17 pontos (16-22); já o grau de EAA pré e o índice da UCLA do grupo com lesão completa (seis pacientes) foram de 88º (20º-150º) e 13,5 pontos (10-20), respectivamente (tabela 2).
O método ANOVA de fator único foi empregado para análise estatística dos resultados.
Técnica cirúrgica
Os pacientes foram submetidos a anestesia geral associada a bloqueio de plexo braquial ou infiltração articular (10ml) e subacromial (10ml) de uma solução contendo 10ml de cloridrato de bupivacaína a 0,50% com vasoconstritor e 10ml de soro fisiológico. Cada paciente foi posicionado em decúbito lateral, com o lado operado em tração longitudinal e transversal.
A artroscopia foi iniciada pelo portal posterior, seguindo-se a avaliação articular, identificação das lesões associadas e classificação da lesão do tendão do subescapular propriamente dito (tabela 2 e figura 1).
Realizamos um portal ântero-superior para avaliação, reparo e tenotomia do tendão do bíceps (figura 2).
Avaliamos com uma lâmina de shaver de 5,5mm o tamanho do espaço subcoracóide e, quando observamos tamanho menor que 6,0mm, aproximadamente, realizamos a coracoplastia (figura 3).
O preparo do local da reinserção do tendão e a introdução das âncoras foram realizados pelo portal ântero-superior (figura 4).
Na sutura do tendão, quando realizada de maneira retrógrada, utilizamos o portal ântero-inferior; já na sutura com pinça “Caspari”, passamos o ponto utilizando o portal lateral acessório. Os nós foram dados pelo portal ântero-superior e lateral acessório (figuras 5 e 6).
Posteriormente à fixação do subescapular, realizamos a bursoscopia. Nesta etapa realizamos a tenodese da CLMBB (nos casos de tenotomia e tenodese – quatro pacientes) com âncoras e a acromioplastia, quando na presença de sinais de impacto subacromial associado a esporão ântero-inferior do acrômio (cinco pacientes).
RESULTADOS
Os pacientes foram reavaliados após período de 12 a 35 meses, com média de 17,25 meses. O grau de elevação anterior ativa pré-operatória foi de 20º a 175º, com média de 102º, enquanto o grau de elevação anterior pós-operatória (EAA pós) foi de 150º a 180º, com média de 175º. Observamos ganho na elevação anterior ativa média de 73º (p < 0,0001) (tabela 3).
A UCLA pré-operatória foi de 10 a 20 pontos, com média de 15,25 pontos e, no pós-operatório, foi observada variação de 15 a 35 pontos, com média de 31,66 pontos. O ganho médio do índice da UCLA entre pré e pós-operatório foi de 16 pontos (p < 0,0001), com 10 resultados excelentes, um bom e um mau. Dos resultados, 11 foram considerados satisfatórios (91,67%) e um insatisfatório (8,33%) (tabela 3).
Com relação ao questionário aplicado a cada paciente após a cirurgia, dos 12 pacientes que fizeram parte do grupo de estudo, um estava insatisfeito e não faria novamente a cirurgia. Este paciente apresentou índice da UCLA de 15 e persiste afastado do trabalho com mais de dois anos de pós-operatório e com problemas litigiosos.
O grupo de pacientes com lesão do terço superior do subescapular (seis casos) apresentou grau de elevação anterior média pós-operatória de 176º (160º-180º) e o grupo com lesão completa total de 173º (150º-180º). Não foi demonstrada diferença estatística significativa entre os grupos com lesão do terço superior e lesão completa (p = 0,57). O índice da UCLA pós-operatório dos pacientes com lesão do terço superior foi de 31 pontos (15-35) e do grupo com lesão completa total de 33 pontos (28-35), também sem diferença estatística significativa (p = 0,55) (tabela 4).
Como complicação, em um dos pacientes com tenotomia simples da CLMBB ocorreu a soltura do tendão do bíceps, evoluindo com abaulamento na face anterior do braço.
DISCUSSÃO
As lesões do tendão do subescapular são freqüentes e devem ser lembradas durante a avaliação do ombro doloroso. O comprometimento do pilar anterior após lesão completa do subescapular tem como conseqüência perda funcional importante, estando o tratamento cirúrgico indicado. Não temos número significativo de artigos no que se refere aos resultados do tratamento cirúrgico nas lesões isoladas, mas na maioria deles são satisfatórios(2-4).
Bennett publicou os resultados da sutura artroscópica de lesões isoladas do subescapular em oito pacientes com seguimento de dois anos; todos eles apresentaram melhora dos índices de avaliação do ombro e se encontravam satisfeitos com a cirurgia(7). Em nossa casuística, apenas um paciente não estava satisfeito e encontrava-se pior com o tratamento. O mesmo estava envolvido em problemas litigiosos.
Podemos observar que os pacientes com lesões do terço superior do tendão subescapular geralmente não cursam com os sinais e sintomas clássicos de insuficiência deste tendão, mas apresentam queixa de dor na região anterior do ombro e testes para avaliação da CLMBB, positivos. O “teste de Napoleão” é maneira bastante sensível para pesquisar este tipo de lesão(5). Classicamente, pode ser considerado negativo, intermediário e positivo. Geralmente, as lesões do terço superior classificam-se como intermediárias, ou seja, ocorre a flexão do punho de 30 a 60º durante a compressão abdominal.
O espaço entre o processo coracóide e o tubérculo menor é denominado intervalo coracoumeral. A estenose deste espaço tem sido interpretada como uma das causas de dor anterior do ombro e como etiologia das lesões do subescapular(9-10). Estudos de imagem e anatômicos mostram que, normalmente, este espaço é de 8,4 a 11mm(11-13). Lo et al definiram como estenose subcoracóide a condição em que este espaço encontra-se menor do que seis milímetros e sugerem o impacto subcoracóide como uma das etiologias das lesões do subescapular em conseqüência do mecanismo denominado de “efeito rolo compressor”(10).
Em nosso estudo, encontramos a diminuição deste espaço em quatro casos nos quais realizamos a coracoplastia através do intervalo rotador. A descompressão deste espaço facilita também a abordagem intra-operatória das lesões do subescapular; assim, na presença de estenose, consideramos importante a coracoplastia antes de iniciar a sutura do tendão.
A maioria das lesões com comprometimento do subescapular apresenta também comprometimento de outros tendões do manguito rotador, sendo a lesão isolada menos freqüente. Em nossa casuística, 31 lesões com comprometimento do subescapular, apenas 12 eram isoladas, sendo seis do terço superior e seis completas. No estudo de Bennett, de 47 lesões do subescapular, oito eram lesões isoladas, correspondendo a seis lesões completas e duas do terço superior(7).
Quando comparamos os resultados da sutura artroscópica do grupo com lesão do terço superior com o grupo com lesão completa, não observamos diferença estatística no que se refere ao grau de elevação anterior ativa e índice da UCLA pós-operatório. Consideramos importantes a pesquisa e a avaliação do subescapular para identificar lesões do terço superior e estas merecem ser abordadas da mesma maneira que as lesões completas.
A tendinite, a subluxação e a luxação da CLMBB comumente estão associadas às lesões do tendão do subescapular, podendo ser tratadas com tenotomia, desbridamento ou tenodese. Bennett defendeu a reconstrução do complexo ligamentar medial da CLMBB associada à sutura do subescapular sem tenotomia(7-8). Burkhart et al preferem realizar sempre a tenotomia e a tenodese, pois acreditam que a possibilidade de soltura da fixação da polia bicipital pode comprometer a fixação do subescapular(5). Dos 12 pacientes deste estudo, 11 apresentavam lesão da polia bicipital com instabilidade da CLMBB, necessitando tenotomia.
Destes, em sete casos realizamos a tenotomia pura e simples e, em quatro, a tenodese, sendo que, nos primeiros pacientes da série, utilizamos de rotina a tenotomia sem fixação e, no decorrer do estudo, passamos a realizar a tenodese com âncoras sempre quando tenotomizamos o bíceps, independente do grau de degeneração do mesmo ou da idade do paciente. Em um dos pacientes, não encontramos lesão da polia bicipital (instabilidade). Um dos pacientes submetidos à tenotomia sem tenodese da CLMBB evoluiu com migração distal do coto proximal necessitando de um segundo procedimento para tenodese da CLMBB através de miniincisão subpeitoral. Este paciente apresentou resultado excelente durante a evolução; esta complicação não comprometeu o reparo do subescapular.
Devido à proximidade de estruturas neurovasculares ao tendão do subescapular, alguns autores defendem a cirurgia aberta pelo acesso anterior nas lesões retraídas(6). Checchia et al apresentaram resultados satisfatórios utilizando a abordagem deltopeitoral no tratamento das lesões ântero-superiores (supra-espinal e subescapular), mostrando ser um acesso seguro(14). Outros autores defenderam a segurança da artroscopia, determinando alguns limites anatômicos para trabalhar nas proximidades do processo coracóide(15-16). Neste estudo, dois pacientes apresentavam retração importante do coto tendinoso do subescapular, necessitando liberação e mobilização do tendão para fixação; nenhum dos casos apresentou complicações.
Anteriormente utilizamos a técnica de sutura artroscópica das lesões do subescapular trabalhando pelos espaços articular e bursal(17). Nas lesões isoladas do subescapular, a visualização do tendão pelo espaço bursal é prejudicada devido à integridade do tendão do supra-espinal; assim, preferimos fazer a sutura destas lesões trabalhando pelo lado articular.
CONCLUSÕES
A sutura artroscópica das lesões do subescapular apresentou resultados satisfatórios em 91,67% dos casos, tanto para as lesões isoladas do terço superior quanto para as lesões completas. A instabilidade do bíceps foi comumente encontrada devido à lesão da polia medial secundaria à rotura do subescapular. A sutura artroscópica do subescapular foi possível mesmo nas lesões retraídas; demonstrou ser técnica segura, com número pequeno de complicações. As lesões completas do terço superior do subescapular são sintomáticas e devem ser tratadas como tal.
autores: NISO EDUARDO BALSINI, NISO BALSINI, LUCIANA KOCHEN, LUCIANO JOSÉ GORI PALKA, ANDRÉ VILELA, JASON SCHREINER DOS SANTOS
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