Cirurgia de descompressão subacromial do ombro por videoartroscopia: avaliação e resultados*
INTRODUÇÃO
Existe concordância entre os autores de que a síndrome do impacto do ombro deva ser tratada por medidas conservadoras. Somente na falha do tratamento conservador é que estaria indicado o tratamento cirúrgico.
Segundo Neer(1), a causa mais freqüente do impacto é a estenose do espaço subacromial e tem relação com a anatomia do acrômio. No entanto, o formato do acrômio não é a determinante principal na indicação da cirurgia. Em alguns pacientes a hipovascularidade e degeneração tendinosa do manguito dos rotadores e, mais precisamente, do tendão do supra-espinhoso, são fator etiológico importante no desencadeamento da dor por microtraumas de repetição contra o arco coracoacromial. Mesmo na presença de um acrômio plano poderemos ter clínica convincente de compressão subacromial resistente a tratamento conservador e que responde bem à descompressão cirúrgica(2). Segundo Snyder(3), dor persistente por uma hora ou mais após atividade intensiva geralmente sugere tendinite do supra-espinhoso ou rotura parcial do manguito rotador.
Na avaliação artroscópica, a descompressão estaria indicada na presença de significante desgaste ou esgarçamento do ligamento coracoacromial, esporão subacromial ou calcificação do ligamento.
MATERIAL E MÉTODO
A indicação para a descompressão subacromial em nosso trabalho foi para aqueles pacientes que haviam sido tratados conservadoramente com AINES, modificação do comportamento no trabalho e fisioterapia para reforço dos rotadores da cabeça umeral e dos elevadores da escápula e que não haviam melhorado após um período de três a seis meses.
O diagnóstico foi sempre baseado em dados clínicos. Servimo-nos da ressonância magnética em apenas cinco dos casos tratados(4,5).
Todas as cirurgias foram realizadas com diagnóstico na fase II de Neer(1). Aquelas realizadas na fase III (com rotura do manguito dos rotadores) não estão descritas neste trabalho.
Utilizamos, em todos os casos, a radiografia pré-opera-tória do túnel (fig. 1) do supra-espinhoso outlet view de Bigliani et al.(6). Esta incidência nos dá uma noção muito próxima da espessura e angulação do acrômio, quando realizada com boa técnica, e nos orienta no sentido de determinar a profundidade da ressecção óssea durante o procedimento de descompressão.
As cirurgias têm um seguimento máximo de três anos e mínimo de seis meses. Foram realizadas 25 vezes no sexo masculino e 21 vezes no feminino. O ombro dominante foi afetado em 29 vezes (63%). A idade mínima dos pacientes foi de 25 anos e a máxima de 59 anos, com uma média de 44 anos. As lesões associadas estiveram presentes em 16 pacientes (34,7%) (tabela 1).
TÉCNICA CIRÚRGICA
O paciente é colocado na mesa em decúbito lateral e posicionado em tração longitudinal no suporte de ombro (Shoulder Holder Acufex, MA), com 6kg de peso. Anestesia de plexo braquial e geral superficial, com hipotensão controlada. Avaliação da articulação glenoumeral, seguida de acesso ao espaço subacromial (fig. 2). A irrigação é realizada pela própria camisa do artroscópio (high flow). Não utilizamos cânulas acessórias, a não ser que pretendamos realizar uma cirurgia para sutura do manguito rotador ou para instabilidade.
Trabalhamos com a óptica pelo portal posterior e com o instrumental sempre pelo portal lateral. Não há necessidade de mudança do portal para completar a ressecção acromial (fig. 3).
Na presença de uma articulação acromioclavicular sensível e com sinais de artrose à radiografia, realizamos também o procedimento de Munford, que consiste na ressecção do um cm distal da clavícula. No segundo dia de pós-operatório realizamos controle radiográfico da ressecção com a incidência do túnel do supra-espinhoso (fig. 4).
RESULTADOS
A avaliação individual dos pacientes foi realizada seguindo os parâmetros da escala da UCLA (University of California at Los Angeles) e observamos resultados excelentes em 21 casos (45,6% – UCLA 34-35), bons em 19 casos (41,3% – UCLA 27-33) e razoáveis em cinco casos (10,9% – UCLA 21-27). Um caso foi considerado mau por evoluir para limitação funcional importante (2,2% – UCLA 0-20).
De acordo com a escala da UCLA, para a dor e a função foi dado um valor graduado de um a 10, sendo um o pior e 10 o melhor resultado. Amplitude de movimento, força e satisfação pessoal foram graduados de um a cinco. Obtivemos assim resultados incluídos entre excelentes e bons em 86,9% dos casos.
A maioria dos casos incluídos entre excelentes e bons retornou às suas atividades com quatro a seis semanas, porém prosseguindo com reabilitação programada no mínimo por quatro meses. De todos os nossos pacientes, apenas um praticava atividades esportivas com esforço acima da cabeça (laçador de rodeio); todos os demais tinham atividades leves ou eram trabalhadores braçais de indústrias locais. Dentre os resultados razoáveis, todos os cinco pacientes estavam sob proteção do seguro de acidente do trabalho. Um caso incluído como mau resultado (sexo feminino, 49 anos, comerciante), evoluiu para limitação funcional importante, com dor intensa que perdurou por qua-se três meses (erro de diagnóstico).
DISCUSSÃO
A cirurgia de descompressão subacromial do ombro por via artroscópica exige um aparato cirúrgico complexo e uma rígida rotina de sala de cirurgia, com resultados que se assemelham àqueles alcançados por via aberta a médio e longo prazo. Ao adotar a conduta cirúrgica por videoartroscopia, o cirurgião deve estar consciente do domínio da técnica e ter o suporte de uma equipe bem treinada.
Adotando esta sistemática, obtivemos resultados que se aproximam daqueles obtidos por autores como Esch et al.(7) (82%), Van Holsbeck et al.(8) (83%), Paulos et al.(2) (85%), Ellmann(9) (88%), Gartsman(10) (90%), Godinho et al.(11) (90,8%) e Altchek et al.(12) (92%). Acreditamos poder melhorar ainda mais nossos resultados numa segunda fase de nosso trabalho, em função exatamente do domínio e aperfeiçoamento natural e progressivo da técnica.
Justificamos o prosseguimento do tratamento cirúrgico da síndrome do impacto por videoartroscopia por apresentar vantagens sobre o tratamento por via aberta, como a preservação da inserção do músculo deltóide no acrômio, possibilitando melhor cosmética e reabilitação precoce e também pela possibilidade que esta via nos oferece de avaliar lesões associadas da articulação glenoumeral(11-13). A identificação precisa da frouxidão capsular em pacientes que desenvolvem a síndrome do impacto secundariamente só é possível por esta via. Em determinadas circunstâncias, especialmente no atleta arremessador, existe relação entre instabilidade e síndrome do impacto, porém o tratamento difere, não se devendo insistir com a cirurgia de descompressão quando bem definida a frouxidão capsular.
Os resultados seriam melhores se fizéssemos uma seleção rigorosa para os casos cirúrgicos, não incluindo, por exemplo, aqueles pacientes protegidos pelo seguro social do acidente do trabalho que têm tendência a evoluir mal(2). A verdade é que não podemos estigmatizar nossos pacientes e, mesmo sabendo que o resultado subjetivo possa não ser tão bom, no momento em que tivermos a certeza da indicação cirúrgica, não deveremos deixar de realizar a cirurgia, pois estaremos de qualquer modo auxiliando nosso paciente.
A definição diagnóstica, seja a fundamentada na clínica, seja a fundamentada em exames complementares, deve ser precisa. Erros diagnósticos nos levam a cirurgias inúteis e, certamente, a maus resultados.
CONCLUSÕES
- 1) A descompressão subacromial do ombro por videoartroscopia, pelos resultados obtidos, vem-se consagrando como excelente técnica e justifica a continuidade de sua aplicação.
- 2) A preservação da musculatura do deltóide, a baixa agressão cirúrgica e o baixo nível de dor no pós-operató-rio, nos permitem iniciar recuperação funcional nas primeiras 48 horas, com melhores resultados e curto prazo.
- 3) A identificação de lesão associada e sua solução sempre que possível e indicada permitem uma definição ampla de todas as patologias, com melhora do prognóstico final. Incluem-se neste item os casos do ombro subluxado silente ou frouxidão capsular.
autores: NISO BALSINI, NISO EDUARDO BALSINI
REFERÊNCIAS
- Neer C.S. II: Lacerações do Manguito, Lesões do Bíceps e “Impingimentos”. Revinter, Rio de Janeiro, 1995.
- Paulos L.E., Franklin J.L., Harmer C.D.: “Arthroscopic sub acromial decompression for impingement syndrome of the shoulder: a five year experience” in Paulos L.E., Tibone J.E.: Operative Techniques in Shoulder Surgery. Gaithersburg, MD, Aspen Publishing, 31-38: 1991.
- Snyder S.J.: “Arthroscopy evaluation and treatment of the rotator cuff” in Shoulder Arthroscopy. McGraw-Hill Inc., 1993.
- Neer C.S. II: Impingement lesion. Clin Orthop 173: 70-77, 1983.
- Neer C.S. II: Anterior acromioplasty for the chronic impingement syndrome in the shoulder: a preliminary report. J Bone Joint Surg [Am] 54: 45-50, 1972.
- Bigliani L.U., Morrison D.S., April E.W.: The morphology of the acromion and its relationship to rotator cuff tears. Orthop Trans 10: 216, 1986.
- Esch J.C., Ozerkis L.R., Helgager J.A. et al: Arthroscopic sub acromial decompression: results according to degree of rotator cuff tear. Arthroscopy 4: 241-249, 1988.
- Van Holsbeck E., De Rycke J., Declerq G., Martens M., Verstreken J., Fabry G.: Sub acromial impingement: open versus arthroscopic decompression. Arthroscopy 8: 173-178, 1992.
- Ellmann H.: Arthroscopic sub acromial decompression: analysis of one to three-years results. Arthroscopy 3: 173, 1987.
- Gartsman G.M.: Arthroscopic acromioplasty for lesions of the rotator cuff. J Bone Surg [Am] 72: 169-180, 1990.
- Godinho G.G., Souza J.M.G., Oliveira A.C., Freitas J.M.: Artroscopia cirúrgica no tratamento da síndrome do impacto: nossa experiência em 100 casos cirúrgicos. Rev Bras Ortop 30: 540-546, 1995.
- Altchek D.W., Warren R.F., Nickiewicz T.L., Skyhar M.J., Ortiz G., Schwartz E.: Arthroscopic acromioplasty. Technique and results. J Bone Joint Surg [Am] 72: 1198-1207, 1992.
- Esch J.C.: Arthroscopy update – Arthroscopic subacromial decompression. Surgical technique. Orthop Rev 18: 733-735, 1989.
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