Tendão patelar “versus” tendões duplos do semitendinoso e “gracilis” como enxerto autólogo na reconstrução do LCA no joelho*
autores: NISO BALSINI, CARLOS EDUARDO SARDINHA, NISO EDUARDO BALSINI
INTRODUÇÃO
No consultório do cirurgião de joelho é freqüente a presença da instabilidade crônica por rotura do LCA, acompanhada de lesões associadas ou não. Se indicada a cirurgia, a decisão pelo enxerto mais adequado para a reconstrução em cada caso é quase impossível quando esta se baseia tão-somente nos dados da literatura, que são controversos. Um estudo comparativo entre os métodos utilizados é a melhor conduta para obter a resposta quanto à indicação de cada técnica.
De 1991 a 1994 a reconstrução do LCA em nossa clínica foi realizada com o uso do enxerto do tendão patelar (osso-tendão-osso), sempre por videoartroscopia e por via ambulatorial. Depois de 1994 realizamos a reconstrução também com o enxerto duplo do tendão do semitendinoso e gracilis (quádruplo).
As motivações para a variação de técnica foram as complicações ocorridas com o tendão patelar, como corte do enxerto pelo parafuso de interferência, rotura da cortical femoral posterior, divergência do parafuso femoral com migração articular do mesmo e fratura da patela, todas vivenciadas pelo próprio autor(1-10).
Procurávamos a técnica mais adequada (para a cirurgia ambulatorial), menos agressiva ao paciente e com menor índice de complicações, em função do esquema do trabalho em regime ambulatorial que havíamos adotado.
MATERIAIS E MÉTODO
Realizamos trabalho comparativo entre os dois métodos, tendo como base 100 joelhos com instabilidade anterior crônica, sendo avaliados 50 pacientes de reconstrução do LCA com o enxerto do tendão patelar, operados entre julho de 1991 e setembro de 1994 (total de 71 joelhos) e 50 pacientes com o enxerto duplo do tendão do semitendinoso e gracilis, operados entre novembro de 1994 e fevereiro de 1997 (total de 90 joelhos).
Entre estes casos não se incluem lesões associadas maiores do que rotura meniscal. Foram afastados da avaliação todos os casos que apresentavam lesão condral ou osteocondral ou instabilidade periférica associada.
Na série do TP, 42 pacientes apresentaram lesão meniscal (82%), sendo 27 do menisco medial (65%), seis no lateral (14%) e oito lesões duplas (20%). Quarenta e sete pacientes pertenciam ao sexo masculino (94%) e três ao feminino (6%). A idade máxima foi de 47 anos, a mínima de 22 anos, com média de idade de 31 anos. Dentro desta série, temos uma atleta profissional (judô) e uma atleta semiprofissional, sendo os demais pacientes pertencentes à classe de atletas recreacionais. Todos procuraram o consultório porque tinham como aspiração o retorno ao esporte de eleição.
Na série do ST/GR, 43 pacientes apresentaram lesão meniscal (90%), sendo 25 do menisco medial (50%), oito do lateral (16%) e três roturas meniscais duplas (6%). Foi realizada sutura meniscal em um caso de rotura no corpo e corno posterior do menisco medial, pela técnica inside-out.
A idade máxima foi de 48 anos, mínima de 19 anos, com média de 29 anos. Quarenta e seis pacientes pertenciam ao sexo masculino (92%) e quatro ao feminino (8%). Um atleta profissional (futebol) está incluído nesta série, com duas atletas semiprofissionais e os demais integrantes da categoria recreacional.
O seguimento maior foi de quatro anos e 11 meses para a série do TP e dois anos e seis meses para o enxerto ST/GR. O menor seguimento foi de dois anos e três meses para o TP e de 11 meses para o ST/GR. Todas as cirurgias foram realizadas por videoartroscopia pelo mesmo cirurgião, em regime ambulatorial, sob anestesia peridural.
Técnica cirúrgica
Tendão patelar (osso-tendão-osso): utilizamos a técnica por videoartroscopia, assimilada de Burton Nisonson, do Lenox Hill Hospital de Nova York, NY, EUA, com fixação do enxerto no fêmur e na tíbia com parafuso de interferência de 9mm(11,12)
Procuramos em todos os casos respeitar os pontos isométricos na perfuração do túnel tibial e femoral (figs. 1 e 2).
Tendão duplo do semitendinoso e gracilis: utilizamos a técnica assimilada de Lonnie Paulos e Thomas Rosen-berg(13), do Hospital for Specialty Surgery, Salt Lake City, Utah, EUA. No lugar do Endobutton ou da âncora Mitek, para a fixação do enxerto no fêmur, utilizamos pequena placa de um furo, com medida de 10 x 12mm, que cumpre o mesmo papel de ancoragem. Utilizamos fio Ethibond nº 5 (figs. 3 e 4).
O sucesso da cirurgia depende da retirada precisa do enxerto e sua sutura adequada, em duplo laço.
Reabilitação
Aplicamos o protocolo de reabilitação de Shelbourne(14,15) para ambos os métodos, com a diferença de não se trabalhar a recuperação da extensão final nas três primeiras semanas para o pós-operatório do enxerto do ST/GR. Com 48 horas o paciente é liberado para iniciar o trabalho de recuperação da amplitude de movimento à beira da mesa e à parede, como também é liberado para carga parcial tanto quanto tolerada. Em ambas as séries deste trabalho, mantivemos imobilização descontinuada pelo período de 10 dias até a retirada de pontos. A carga total só foi permitida com quatro semanas, alguns pacientes sendo liberados com três semanas, dependendo de derrame articular, trofismo muscular e motivação pessoal.
A reabilitação foi sempre dirigida no sentido de recuperação da ADM, equilíbrio, tônus, massa muscular e agilidade.
Avaliação
Na comparação entre os dois métodos foi utilizado o protocolo do IKDC (International Knee Documentation Committee) (quadro 1) aplicando sete variáveis de avaliação, como análise subjetiva do paciente, sintomas presentes, amplitude de movimento, exame ligamentar para identificar frouxidão, achados compartimentais como descrito no protocolo, para identificação de crepitação femoropatelar, crepitação do compartimento medial e crepitação do compartimento lateral, achados radiográficos e testes funcionais. No trabalho também foi avaliada a força muscular do quadríceps e dos flexores no momento do exame.
RESULTADOS
Para a avaliação subjetiva (variável nº 1), que define o desempenho do paciente no pós-operatório avançado, obtivemos pontuação positiva de 88% para o TP e 90% para o ST/GR, que caracteriza o joelho subnormal. Destes pacientes, 79% da série do TP retornaram ao esporte, o mesmo acontecendo com 81% do ST/GR.
Com relação aos sintomas (variável nº 2), 18 pacientes (36%) queixavam-se de alguma dor anterior no joelho na série do TP, mais relacionada com a femoropatelar. Na série do ST/GR este número caiu para 12%, quase sempre relacionada à presença do parafuso tibial(16,17).
A amplitude de movimento (variável nº 3) esteve comprometida por limitação da extensão final em oito pacientes da série do TP (16%), sendo sete com limitação de até 5º e um com limitação importante de até 15º(18-20).
Este último paciente apresentou a lesão do “ciclope”, foi tratado cirurgicamente por videoartroscopia com desbridamento da lesão e plastia da região intercondiliana, evoluindo para a extensão completa e se constituindo em bom resultado. Um paciente apresentou limitação da flexão final em seus últimos 15º. Na série do ST/GR, a amplitude ficou comprometida por limitação da extensão final em até 5º em um paciente (2%).
O exame ligamentar (variável nº 4) mostrou resultados excelentes em 39 pacientes (78%) e bons em 11 pacientes (22%) na série do TP. Já na série do ST/GR os resultados foram excelentes em 38 pacientes (76%), com 12 bons (24%).
Os resultados avaliados como excelentes foram aqueles que apresentaram Lachman manual negativo, enquanto bons resultados foram aqueles em que tínhamos o Lachman manual positivo de até uma cruz, com joelhos subjetivamente estáveis (frouxidão sem instabilidade). Em ambas as séries não tivemos nenhuma abertura em valgo ou varo, mesmo porque, como citado anteriormente, fo-ram retirados da avaliação todos os casos que apresentavam instabilidade periférica concomitante.
Em todos os casos, o pivot shift do pré-operatório foi anulado.
Os achados compartimentais (variável nº 5) mostraram haver crepitação patelofemoral não correlacionada com o exame clínico pré-operatório em oito pacientes da série do TP (12%). Para a série do ST/GR, um paciente apresentou crepitação patelofemoral (2%).
Quanto aos achados radiográficos (variável nº 6), não foram identificadas alterações degenerativas radiográficas em nenhum caso em ambas as séries (lembrar que excluímos do trabalho todas as lesões condrais ou osteocondrais visíveis por videoartroscopia). Nenhum paciente apresentou redução do espaço articular maior que 50% tanto no compartimento medial como lateral.
A avaliação funcional (variável nº 7) na série do TP teve resultado excelente em 40 pacientes (80%), bom em cinco pacientes (10%) e regular em cinco pacientes (10%). Na série do ST/GR tivemos resultado excelente em 36 pacientes (72%), bom em 10 pacientes (20%) e regular em quatro pacientes (8%).
Na avaliação final, tivemos resultados positivos em am-bas as séries, com nove excelentes (18%), 32 bons (64%) e nove regulares (18%) na série do TP e 13 excelentes (26%), 30 bons (60%) e sete regulares (14%) na série do ST/GR. Não observamos significativa perda de força do aparelho extensor ou flexor naqueles joelhos com seguimento de um ano ou mais e que haviam sido adequadamente trabalhados na reabilitação.
DISCUSSÃO
A reconstrução do ligamento cruzado anterior com o enxerto do tendão patelar (osso-tendão-osso) é técnica consagrada pelo uso e pelos bons resultados, porém complicações com a mesma ocorrem e estão descritas na literatura.
Na procura de técnica alternativa para o tratamento das instabilidades anteriores crônicas do joelho, muitos autores centraram seu trabalho no enxerto dos tendões flexores(21-29). Hoje a reconstrução do LCA com o tendão do semitendinoso e gracilis atingiu altos níveis de bons resultados e deixou de ser apenas nova técnica para ser a escolha para muitos cirurgiões. Em ambos os casos, a cirurgia pode ser realizada por videoartroscopia e todos os detalhes de técnica devem ser respeitados (em cada caso) para um bom resultado final.
A técnica do TP com utilização de parafusos de interferência oferece mais dificuldade, é mais passível de complicações e exige cuidado especial na reabilitação para que se evitem as limitações da extensão final e patologias femoropatelares.
A técnica do ST/GR oferece menos dificuldade; tivemos menos complicações com este método e também na fisioterapia é importante o cuidado com a extensão final, no sentido de não forçar nas três primeiras semanas.
Ambos os métodos podem ser indicados para a reconstrução de joelhos instáveis em qualquer idade (com exceção para a fise aberta para o TP), em ambos os sexos e para qualquer tipo de atividade física, seja recreacional ou profissional.
Em ambas as séries, a avaliação subjetiva nos mostra resultados semelhantes.
Com relação aos sintomas, chama a atenção a alta percentagem (36%) de dor anterior no joelho na série do TP(15), o que poderia ser explicado em parte pela maior agressão cirúrgica a essa região, pela atrofia muscular do quadríceps e pela possibilidade de cicatrização com fibrose e conseqüente encurtamento do tendão patelar, aumentando a pressão na articulação femoropatelar. Este raciocínio vai ao encontro dos resultados obtidos em “achados compartimentais” do protocolo usado, onde encontramos maior incidência de crepitação femoropatelar na série do TP (12% contra 2% do ST/GR).
Deve ser levada em consideração a reabilitação pós-operatória, que, principalmente no início do trabalho e conseqüentemente na série do TP, foi em muitos casos realizada sem um cuidado específico de proteção à patela e à articulação femoropatelar. De qualquer modo, a dor anterior no joelho citada pelos pacientes nunca chegou a ser de grande magnitude a ponto de poder comprometer significativamente o resultado final.
A limitação da extensão final evidente em 16% dos ca-sos na série do TP é outro dado que chama a atenção, contra 2% do ST/GR. Esta limitação em todos os casos não foi maior que 5º, com exceção de um caso, que alcançou 15º. Este último paciente desenvolveu a lesão do “ciclope”, foi tratado cirurgicamente por videoartroscopia, com desbridamento da lesão e plastia da região intercondiliana, evoluindo para a extensão completa e se constituindo em bom resultado.
Vale observar que o papel da reabilitação é tão importante quanto a cirurgia e em ambas as séries deve ser iniciada precocemente para recuperação da amplitude de movimento, equilíbrio, tônus e massa muscular(30). Devese dar atenção redobrada para o TP, que tende a resultados com limitação da extensão final. O complexo de fixação do ST/GR, enxerto com maior visco-elasticidade, apresentando em seu complexo de fixação elementos intermediários como fios e nós que são menos rígidos que o próprio enxerto, pode sofrer alongamento com a manipulação ina-dequada(31). Por isso, não está indicado trabalhar precocemente a recuperação da extensão final, pela possibilidade de alongamento e frouxidão do complexo de fixação.
Este alongamento que ocorre no complexo de fixação é que compromete o “exame ligamentar” na série do ST/GR, com presença de alguns joelhos um pouco mais frouxos nos primeiros casos da série. Recentemente, introduzimos modificação no complexo de fixação do enxerto do ST/GR para anular este ponto de alongamento. Eliminamos os elementos intermediários como fios e nós da porção proximal (fêmur) e passamos a utilizar material de conexão rígida (Rigitec), ancorado no osso, com o enxerto preso diretamente ao mesmo, o que veio melhorar a rigidez do conjunto.
A maior percentagem de pacientes que retornaram ao esporte na série do ST/GR se deve em parte à melhora progressiva da técnica e da habilidade cirúrgica(32-34), ao prétensionamento do conjunto realizado a partir de 1996 (32 dos 50 casos) e à recuperação pós-operatória mais adequada e dirigida no sentido da força e trofismo muscular, com orientação para trabalho de agilidade especifica antes de retorno às atividades esportivas.
A literatura revela resultados semelhantes aos alcançados em nosso trabalho, principalmente através de autores como Marder et al.(35), Otero e Hutcheson(36) e Aglietti et al(37).
CONCLUSÕES
Nosso trabalho permite-nos concluir que ambos os métodos são bons para a reconstrução do LCA, não havendo diferenças significativas quanto ao resultado final. No en-tanto, não devolvem ao paciente o joelho exatamente normal quanto à estabilidade e funcionalidade.
REFERÊNCIAS
- Aglietti P., Buzzi R., D’Andria S., Zaccherotti G.: Patellofemoral problems after intraarticular anterior cruciate ligament reconstruction. Clin Orthop 288: 195-204, 1993.
- Christen B., Jakob R.P.: Fractures associated with patellar ligament graft in cruciate ligament surgery. J Bone Joint Surg [Br] 74: 617-619, 1992.
- Cohen M., Carneiro F.M., Queiroz A.A.B., Ferreira F.F.S.: Complicações da reconstrução intra-articular com tendão patelar. Relato preliminar. Rev Bras Ortop 27: 245-248, 1992.
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